quarta-feira, 30 de junho de 2010

Legião Urbana - Dois


  1. Daniel na Cova dos Leões
    • (Renato Russo / Renato Rocha)

      Aquele gosto amargo do teu corpo
      Ficou na minha boca por mais tempo:
      De amargo então salgado ficou doce,
      Assim que o teu cheiro forte e lento
      Fez casa nos meus braços e ainda leve
      E forte e cego e tenso fez saber
      Que ainda era muito e muito pouco.

      Faço nosso o meu segredo mais sincero
      E desafio o instinto dissonante.
      A insegurança não me ataca quando erro
      E o teu momento passa a ser o meu instante.
      E o teu medo de ter medo de ter medo
      Não faz da minha força confusão:
      Teu corpo é o meu espelho e em ti navego
      E sei que a tua correnteza não tem direção.

      Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
      A motor e insistir em usar os remos,
      É o mal que a água faz, quando se afoga
      E o salva-vidas não está lá porque não vemos

  2. Quase Sem Querer
    • (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Renato Rocha)

      Tenho andado distraído,
      Impaciente e indeciso,
      E ainda estou confuso.
      Só que agora é diferente:
      Estou tão tranquilo
      E tão contente.

      Quantas chances desperdicei
      Quando o que eu mais queria
      Era provar pra todo o mundo
      Que eu não precisava
      Provar nada pra ninguém

      Me fiz em mil pedaços
      Pra você juntar
      E queria sempre achar
      Explicação pro que eu sentia.
      Como um anjo caído
      Fiz questão de esquecer
      Que mentir pra si mesmo
      É sempre a pior mentira.

      Mas não sou mais
      Tão criança a ponto de saber
      Tudo.

      Já não me preocupo
      Se eu não sei porquê
      Às vezes o que eu vejo
      Quase ninguém vê
      E eu sei que você sabe
      Quase sem querer
      Que eu vejo o mesmo que você.

      Tão correto e tão bonito
      O infinito é realmente
      Um dos deuses mais lindos.
      Sei que às vezes uso
      Palavras repetidas
      Mas quais são as palavras
      Que nunca são ditas?

      Me disseram que você estava chorando
      E foi então que eu percebi
      Como lhe quero tanto.

      Já não me preocupo
      Se eu não sei porquê
      Às vezes o que eu vejo
      Quase ninguém vê
      E eu sei que você sabe
      Quase sem querer
      Que eu vejo o mesmo que você.

  3. Acrilic on Canvas
    • (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Renato Rocha/ Marcelo Bonfá)

      - É saudade, então.

      E mais uma vez
      De você fiz o desenho mais perfeito que se fez:
      Os traços copiei do que não aconteceu.
      As cores que escolhi entre as tintas que inventei,
      Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos
      De um dia sermos três
      Trabalhei você em luz e sombra

      E era sempre:
      - Não foi por mal. Eu juro que nunca
      Quis deixar você tão triste.
      Sempre as mesmas desculpas
      E desculpas nem sempre são sinceras -
      Quase nunca são.

      Preparei a minha tela
      Com pedaços de lençóis
      Que não chegamos a sujar.
      A armação fiz com madeira
      Da janela do seu quarto.
      Do portão da sua casa
      Fiz paleta e cavalete
      E com lágrimas que não brincaram com você
      Destilei óleo de linhaça
      Da sua cama arranquei pedaços
      Que talhei em estiletes
      De tamanhos diferentes
      E fiz então
      Pincéis com seus cabelos
      Fiz carvão do batom que roubei de você
      E com ele marquei dois pontos de fuga
      E rabisquei meu horizonte.

      Era sempre:
      - Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal.
      Eu não queria machucar você: prometo que isso nunca vai
      Acontecer mais uma vez.
      E era sempre, sempre o mesmo novamente: -
      A mesma traição

      Às vezes é difícil esquecer:
      - Sinto muito, ela não mora mais aqui.

      Mas então por que eu finjo que acredito no que invento?
      Nada disso aconteceu assim - não foi desse jeito.
      Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia
      Tentando pintar essas flores com o nome
      De "amor-perfeito" e "não-te-esqueças-de-mim".

  4. Eduardo e Mônica
    • (Renato Russo)

      Quem um dia irá dizer
      Que existe razão
      Nas coisas feitas pelo coração?
      E quem irá dizer
      Que não existe razão?

      Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar:
      Ficou deitado e viu que horas eram
      Enquanto Monica tomava um conhaque,
      No outro canto da cidade,
      Como eles disseram.

      Eduardo e Monica um dia se encontraram sem querer
      E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.
      Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse:
      - Tem uma festa legal e a gente quer se divertir.
      Festa estranha, com gente esquisita:
      - Eu não estou legal. Não aguento mais birita.
      E a Monica riu e quis saber um pouco mais
      Sobre o boyzinho que tentava impressionar
      E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa:
      - É quase duas, eu vou me ferrar.

      Eduardo e Monica trocaram telefone
      Depois telefonaram e decidiram se encontrar.
      O Eduardo sugeriu uma lanchonete
      Mas a Monica queria ver o filme do Godard.
      Se encontraram então no parque da cidade
      A Monica de moto e o Eduardo de camelo.
      O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
      Mas a menina tinha tinta no cabelo.
      Eduardo e Monica era nada parecidos -
      Ela era de Leão e ele tinha dezesseis.
      Ela fazia Medicina e falava alemão
      E ele ainda nas aulinhas de inglês.
      Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,
      De Van Gogh e dos Mutantes,
      De Caetano e de Rimbaud
      E o Eduardo gostava de novela
      E jogava futebol-de-botão com seu avô.

      Ela falava coisas sobre o Planalto Central
      Também magia e meditação.
      E o Eduardo ainda estava
      No esquema "escola, cinema, clube, televisão".

      E, mesmo com tudo diferente,
      Veio mesmo, de repente
      Uma vontade de se ver
      E os dois se encontravam todo dia
      E a vontade crescia,
      Como tinha de ser...

      Eduardo e Monica fizeram natação, fotografia
      Teatro e artesanato, e foram viajar
      A Monica explicava pro Eduardo
      Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar...
      Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
      E decidiu trabalhar;
      E ela se formou no mesmo mês
      Em que ele passou no vestibular
      E os dois comemoraram juntos
      E também brigaram juntos, muitas vezes depois
      E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa,
      Que nem feijão com arroz
      Construíram uma casa uns dois anos atrás,
      Mais ou menos quando os gêmeos vieram -
      Batalharam grana e seguraram legal
      A barra mais pesada que tiveram

      Eduardo e Monica voltaram pra Brasília
      E a nossa amizade dá saudade no verão.
      Só que nessas férias não vão viajar
      Porque o filhinho do Eduardo
      Tá de recuperação.

      E quem um dia irá dizer
      Que existe razão
      Nas coisas feitas pelo coração?
      E quem irá dizer
      Que não existe razão?

  5. Central do Brasil
    • (Renato Russo)

      Instrumental

  6. Tempo Perdido
    • (Renato Russo)

      Todos os dias quando acordo,
      Não tenho mais o tempo que passou
      Mas tenho muito tempo:
      Temos todo o tempo do mundo.

      Todos os dias antes de dormir,
      Lembro e esqueço como foi o dia:
      "Sempre em frente,
      Não temos tempo a perder".

      Nosso suor sagrado
      É bem mais belo que esse sangue amargo
      E tão sério
      E Selvagem.

      Veja o sol dessa manhã tão cinza:
      A tempestade que chega é da cor dos teus
      olhos castanhos
      Então me abraça forte
      e diz mais uma vez
      Que já estamos distantes de tudo:
      Temos nosso próprio tempo.

      Não tenho medo do escuro, mas deixe as
      luzes acesas agora.
      O que foi escondido é o que se escondeu
      E o que foi prometido,
      ninguém prometeu
      Nem foi tempo perdido;
      Somos tão jovens.

  7. Metrópole
    • (Renato Russo)

      "É sangue mesmo, não é mertiolate"
      E todos querem ver
      E comentar a novidade.
      "É tão emocionante um acidente de verdade"
      Estão todos satisfeitos
      Com o sucesso do desastre:
      Vai passar na televisão.

      "Por gentileza, aguarde um momento.
      Sem carteirinha não tem atendimento -
      Carteira de trabalho assinada, sim senhor.
      Olha o tumulto: façam fila por favor.
      Todos com a documentação.
      Quem não tem senha, não tem lugar marcado.
      Eu sinto muito, mas já passa do horário.
      Entendo seu problema mas não posso resolver:
      É contra o regulamento, está bem aqui, pode ver.
      Ordens são ordens.
      Em todo caso já temos sua ficha.
      Só falta o recibo comprovando residência.
      Pra limpar todo esse sangue, chamei a faxineira -
      E agora eu vou indo senão perco a novela
      E eu não quero ficar na mão."

  8. Plantas Embaixo do Aquário
    • (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Renato Rocha / Marcelo Bonfá)

      Aceite o desafio e provoque o desempate:
      Desarme a armadilha e desmonte o disfarce.
      Se afaste do abismo -
      Faça do bom-senso a nova ordem;
      Não deixe a guerra começar.

      Pense só um pouco,
      Não há nada de novo
      Você vive insatisfeito e não confia em ninguém
      E não acredita em nada
      E agora é só cansaço e falta de vontade,
      Mas, faça do bom-senso a nova ordem:
      Não deixe a guerra começar.

  9. Música Urbana 2
    • (Renato Russo)

      Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana,
      Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
      Cantam música urbana,
      Motocicletas querendo atenção às três da manhã -
      É só música urbana.

      Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
      E nas escolas as crianças aprendem a repertir a música urbana.
      Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana.

      O vento forte seco e sujo em cantos de concreto
      Parece música urbana
      E a matilha de crianças sujas no meio da rua -
      Música urbana.
      E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana.

      Os uniformes
      Os cartazes
      Os cinemas
      E os lares
      Nas favelas
      Coberturas
      Quase todos os lugares.

      E mais uma criança nasceu.
      Não há mais mentiras nem verdades aqui
      Só há música urbana.

  10. Andrea Doria
    • (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)

      Às vezes parecia que, de tanto acreditar
      Em tudo que achávamos tão certo,
      Teríamos o mundo inteiro e até um pouco
      mais:
      Faríamos floresta do deserto
      E diamantes de pedaços de vidro.

      Mas percebo agora
      Que o teu sorriso
      Vem diferente,
      Quase parecendo te ferir.

      Não queria te ver assim -
      Quero a tua força como era antes.
      O que tens é só teu
      E de nada vale fugir
      E não sentir mais nada.
      Às vezes parecia que era só improvisar
      E o mundo então seria um livro aberto,
      Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
      Vendendo fácil o que não tinha preço.

      Eu sei - é tudo sem sentido
      Quero ter alguém com quem conversar,
      Alguém que depois não use o que eu disse
      Contra mim.

      Nada mais vai me ferir.
      É que eu já me acostumei
      Com a estrada errada que eu segui
      E com a minha própria lei.
      Tenho o que ficou
      E tenho sorte até demais,
      Como sei que tens também.

  11. Fábrica
    • (Renato Russo)

      Nosso dia vai chegar,
      Teremos nossa vez.
      Não é pedir demais:
      Quero justiça,
      Quero trabalhar em paz.
      Não é muito o que lhe peço -
      Eu quero trabalho honesto
      Em vez de escravidão.

      Deve haver algum lugar
      Onde o mais forte
      Não consegue escravizar
      Quem não tem chance.

      De onde vem a indiferença
      Temperada a ferro e fogo?
      Quem guarda os portões da fábrica?

      O céu já foi azul, mas agora é cinza
      O que era verde aqui, já não existe mais.
      Quem me dera acreditar
      Que não acontece nada de tanto brincar
      com fogo.

      Que venha o fogo então.

      Esse ar deixou minha vista cansada,
      Nada demais.

  12. Índios
    • (Renato Russo)

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Ter de volta todo o ouro que entreguei
      A quem conseguiu me convencer
      Que era prova de amizade
      Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

      Quem me dera, ao menos uma vez
      Esquecer que acreditei que era por brincadeira
      Que se cortava sempre um pano-de-chão
      De linho nobre e pura seda.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Explicar o que ninguém consegue entender:
      Que o que aconteceu ainda está por vir
      E o futuro não é mais como era antigamente.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Provar que quem tem mais do que precisa ter
      Quase sempre se convence que não tem o bastante
      Fala demais por não ter nada a dizer.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Que o mais simples fosse visto como o mais importante,
      Mas nos deram espelhos
      E vimos um mundo doente.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
      E esse mesmo Deus foi morto por vocês -
      É só maldade então, deixar um Deus tão triste.

      Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
      Entenda - assim pude trazer
      Você de volta pra mim
      Quando descobri que é sempre só você
      Que me entende do iní­cio ao fim
      E é só você que tem a cura do meu vício
      De insistir nessa saudade que eu sinto
      De tudo que eu ainda não vi.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Acreditar por um instante em tudo que existe
      E acreditar que o mundo é perfeito
      E Que todas as pessoas são felizes...

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Fazer com que o mundo saiba que seu nome
      Está em tudo e mesmo assim
      Ninguém lhe diz ao menos obrigado.

      Quem me dera, ao menos uma vez,
      Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,
      Não ser atacado, por ser inocente.

      Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
      Entenda - assim pude trazer
      Você de volta pra mim
      Quando descobri que é sempre só você
      Que me entende do iní­cio ao fim
      E é só você que tem a cura do meu vício
      De insistir nessa saudade que eu sinto
      De tudo que eu ainda não vi.

      Nos deram espelhos e vimos um mundo doente -
      Tentei chorar e não consegui.


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